
Em seu livro A paixão segundo GH, Clarice Lispector enquanto questiona sobre o viver, apresenta de forma afiada uma pergunta: “Terei que fazer palavra como se fosse criar o que aconteceu? ”. Não é só um questionamento. É uma pergunta que facilmente nos leva à orientação ética da psicanálise, já que tanto a arte de Clarice, se assim podemos chamar- a escrita-, quanto a psicanálise, se dá a partir da perspectiva de um encontro, mas um encontro faltoso. É claro que aproximar arte, no caso a escrita, com a psicanálise não é um trabalho tão simples, há uma lacuna demarcada de um lado sobre o campo dos ideais e da boa forma e por outro, no caso da psicanálise, o pulsional (Freud), ou o real e o impossível (Lacan). Aliás, Freud e Lacan se interessam pela arte, ainda que em suas obras não há o que evidenciar concretamente como uma teoria da arte. No entanto, em seu Seminario sobre a ética da psicanálise, Lacan aponta que toda forma de arte se caracteriza por algo que diz respeito a uma organização em torno do vazio, e contrapondo à algumas formas de sublimação, propõe que toda manifestação artística se diferencia por fazer valer sua relação com o real.
Assim, podemos pensar que tanto a arte como a análise podem se aproximar nesse objetivo (se é que precisamos de um objetivo) de elaborar/produzir algo, com aquilo que internamente surge a partir da pulsão, ou até mesmo, produzir uma obra de arte a partir de um sofrimento vivido anteriormente.