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Em seu livro A paixão segundo GH, Clarice Lispector enquanto questiona sobre o viver, apresenta de forma afiada uma pergunta: “Terei que fazer palavra como se fosse criar o que aconteceu? ”. Não é só um questionamento. É uma pergunta que facilmente nos leva à orientação ética da psicanálise, já que tanto a arte de Clarice, se assim podemos chamar- a escrita-, quanto a psicanálise, se dá a partir da perspectiva de um encontro, mas um encontro faltoso. É claro que aproximar arte, no caso a escrita, com a psicanálise não é um trabalho tão simples, há uma lacuna demarcada de um lado sobre o campo dos ideais e da boa forma e por outro, no caso da psicanálise, o pulsional (Freud), ou o real e o impossível (Lacan). Aliás, Freud e Lacan se interessam pela arte, ainda que em suas obras não há o que evidenciar concretamente como uma teoria da arte. No entanto, em seu Seminario sobre a ética da psicanálise, Lacan aponta que toda forma de arte se caracteriza por algo que diz respeito a uma organização em torno do vazio, e contrapondo à algumas formas de sublimação, propõe que toda manifestação artística se diferencia por fazer valer sua relação com o real.


Assim, podemos pensar que tanto a arte como a análise podem se aproximar nesse objetivo (se é que precisamos de um objetivo) de elaborar/produzir algo, com aquilo que internamente surge a partir da pulsão, ou até mesmo, produzir uma obra de arte a partir de um sofrimento vivido anteriormente.

  • 2 min de leitura

Para Freud, a sublimação, assim como a loucura, não é para todos. Mas, e a Psicanálise, é para todos?


O que nos aponta para a regra fundamental da Psicanálise - que o analisante fale, dê lugar à palavra! – parece simples e fácil, mas não é. Afinal, é nessa cadência que o sujeito da fala pode ceder lugar a um corpo falante. Envolve trabalho, elaboração e (des)construção. Uma análise, radicalmente, exige implicação com aquilo que se diz.


Para Freud, a sublimação, assim como a loucura, não é para todos.


Mas, e a Psicanálise, é para todos?

Freud, desde o início da sua obra, sobretudo no caso do Homem dos lobos, texto de 1918, menciona a ideia de construção. Posteriormente, Lacan irá tratar dessa palavra como conceito, articulando-a em determinado momento com a fantasia e posteriormente ao percurso de uma análise. Logicamente, seria necessário explorar muito mais o que ambos nos oferecem a partir do significante “construção”.


Nos parece que “construção” fica subentendido em “linguagem”. Lacan, em “Função e Campo...”, texto de 1953, exalta a importância da linguagem, sustentando que o inconsciente se estrutura como tal- elaborações decantadas dos trabalhos de Jakobson e Saussure. Neste mesmo cenário, situa a experiência analítica como a possibilidade de se tomar a palavra, elevando o estatuto de palavra vazia à palavra plena, justamente porque a palavra plena buscaria realizar a verdade do sujeito, que para isso se destituiria da posição de mestre para ser revelado um saber sobre o fato de que nenhuma verdade se sustenta como inteira.


(Des)constrói-se pela via da linguagem. Mas não só isso, revela-se pela linguagem um sujeito desejante, sujeito que só pode ser representado a partir de um hiato, uma perda, sujeito situado entre linguagem e pulsão. No entanto, o sujeito não é apenas um produto de sua história falada por ele ou por outros, é também um ser social- argumento elaborado por Lacan a partir da psicologia das massas e desembocado em sua teoria dos discursos. Dá-se a relação entre corpo, linguagem e discurso.


  • 1 min de leitura


“No outro lado, na ponta dos pés, por cima do muro,

Vejo um outro, estranho, que me olha.

Eu olho o fato de ser olhado pelos olhos familiares de um estranho.

Reconheço, nessa troca de olhares que se trocam, que se tocam, um horror.

Aquele susto epifânico! No qual o ar é tragado violentamente em um suspiro agudo e os olhos se arregalam, mas sem regalo.


O espanto me tira do corpo e me transporta para os olhos daquele que me olha ser olhado olhando.

Lá estou, não mais cá.

Do lado de lá, contudo, o lá vira cá e, o cá, lá; cala.

Onde eu me situo? Onde eu me sitio? Onde o eu me situa e me sitia?

Quem é esse eu? Quem é esse outro?


Seria eu do outro, outro do eu? Outro doeu?

Sou do lado de cá, do lado de lá e o muro.”


Stefano Carvalho


Em um processo analítico, fala-se grande parte do tempo dessa relação entre o “eu” e o “outro”. Muitas vezes, falar de si e, principalmente, revelar as próprias imperfeições e faltas é algo muito difícil e doloroso. Uma maneira, inconsciente, de abordar essas questões acaba sendo projetar no outro, isto é, atribuindo ao outro aquilo que sou ou faço, não conseguindo falar de mim sem me responsabilizar.


Um exemplo disso é dado brilhantemente por Freud: “quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro do que de Paulo”.


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